sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Mudança de Época, e daí?

Por Padre Ivanir Rodighero

Você se lembra da letra da música “Roda Viva” escrita e cantada por Chico Buarque de Holanda? Vamos lembrá-la?

/: Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa no nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino pra lá :/

Não será esta canção uma imagem do que está acontecendo no mundo em que vivemos? As épocas, como uma roda vida, mudam e levam consigo muitas coisas e fazem aparecer outras tantas que nos obrigam a novas adaptações e, mais do que isto, nos desafiam a adquirir novos conhecimentos e a buscar novos caminhos para realizar nossa vida. Nesta roda vida, o mundo muda, nós mudamos, mudam os caminhos e conosco todos mudam.
Novamente estamos numa “mudança de época”. O que ela nos impõe e propõe? Como foi o processo que levou o mundo neste novo contexto de mudança? Vamos olhar para trás para juntos refazermos o caminho histórico que nos trouxe até este tempo chamado de modernidade ou, como dizem alguns, de pós-modernidade e que agora quer e está impondo novas mudanças. Estas parecem indicar, como afirmam estudiosos, que estamos numa mudança civilizacional. Comecemos pela comunicação.
Há cinquenta anos, a comunicação era praticamente restrita ao âmbito familiar e comunitário. O que havia para suprir as distâncias eram as cartas que demoravam semanas e semanas. Apenas alguns jornais entravam nas casas e não em todas. Era privilégio de algumas famílias estes meios de comunicação, onde também se podia ouvir o som transmitido pelos aparelhos de rádio.
E hoje? Na era da internet, uma notícia chega aos “quatro cantos do mundo” em frações de segundos. Por meio do computador, vemos – virtualmente – o mundo e nos comunicamos com ele, mobilizamo-nos para um universo de coisas boas e, muitas vezes, ruins, quando não, muito ruins.
Com certeza todos ouviram histórias contadas pelos avós ou por outras pessoas amigas sobre os seus modos de viver no passado, especialmente, no cotidiano familiar. Os nossos avós agricultores, em sua infância, para aquecer água acendiam o fogão à lenha e esperavam um tempo razoável até que a mesma ficasse quente. Hoje, com as tecnologias modernas, temos água quente a todo tempo.
Mas é, sobretudo, na agricultura que a “roda viva” do tempo provocou muitas transformações. A modernização da agricultura, gerada de forma intensa pela introdução da tecnologia mecanizada, pelo uso de inseticidas e de herbicidas, “levou para lá” a agricultura artesanal e trouxe “para cá” as monoculturas produzidas de forma intensiva, exigindo a substituição da enxada e dos outros implementos rudimentares por tratores, colheitadeiras e implementos de alta tecnologia.
Este processo acabou por concentrar ainda mais a propriedade da terra, aumentando a rentabilidade dos grandes proprietários e tornando os agricultores de pequeno porte ainda mais vulneráveis. A concentração da terra como propriedade de poucos tornou-se causa principal da migração forçada de milhares de famílias que, deixando o seu extenso mundo rural, foram se “amontoando” nas periferias das cidades.
Assim foi acontecendo com todos os setores da vida humana. O demógrafo e professor universitário, diácono permanente Ricardo Rossato, denomina isto de mudança de época. Diz ele que “as mudanças processadas nos últimos 20 anos são tão radicais que correspondem às dos últimos 20 séculos. Nenhuma época pode ser comparada com a atual. O processo de mudanças é constante e atinge a todos os setores e a todo o planeta ao mesmo tempo”. As diversas situações que vivemos tendem a não serem mais vistas como duradouras e eternas como pareciam ser. Ao contrário, como bem diz a poesia, elas são “eternas enquanto duram”.
Tudo se parece com um espírito que corre veloz nas ondas invisíveis e nas fibras ópticas de um mundo globalizado, que, apesar dos avanços tecnológicos, ainda persiste em mostrar o incômodo da miséria, do analfabetismo, do racismo, da exploração sexual, da corrupção e das injustiças sociais reinantes em grande parte do nosso planeta. A globalização ainda não acontece satisfatoriamente na promoção da solidariedade, da cultura da paz, da justiça e do acesso universal aos bens necessários à vida.
As instituições, como a família, a escola, o Estado e as Igrejas, sentem-se inseguras perante este novo universo. A família, muitas vezes, se esfacela, adotando multiconfigurações, sentindo-se impotente para transmitir os valores humanos e para promover a construção de um estilo de vida verdadeiramente humano entre as gerações jovens. A instituição escolar se fragilizou e já não consegue ser um centro competente de socialização do conhecimento, de produção de novas respostas e de capacitação para os desafios da atualidade. O Estado passou a ser dominado pelo mercado e, com isto, incapaz, em muitas circunstâncias, de gerar o bem comum, a justiça e a cidadania para todos. As dificuldades aumentam ainda porque na atualidade ocorre uma supervalorização da subjetividade individualista, da novidade, do prazer imediato, do transitório, da estética-agressiva.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, no documento 93, n. 22, que trata da formação de novos padres, diz que existem três atitudes frente à mudança de época: 1ª - há pessoas e grupos que não se dão conta que estão vivendo as consequências das mudanças em andamento; 2ª - há pessoas e grupos que reagem às mudanças fechando-se ao real mediante práticas fundamentalistas, com rigidez, buscando segurança em um estilo de vida próprio do passado; 3ª - há pessoas e grupos que tentam responder aos desafios de hoje com novas respostas. Em que grupo nos situamos?
O que mais interessa a Deus é um mundo humano, justo, fraterno e amável. Jesus buscou, quando esteve entre nós, vida digna, sadia e feliz para todos, a começar pelos últimos. O que faz Deus feliz, segundo José Antonio Pagola, “é ver-nos felizes, desde agora e para sempre. É esta a Boa Notícia que nos é revelada em Jesus Cristo: Deus se nos dá a si mesmo como aquilo que ele é: Amor”.

Questões para debate:
1) Convidar pessoas idosas para partilhar experiência de vida de sua infância e juventude. Como era naquele tempo?
2) Quais as principais mudanças sentidas nos últimos anos? Como cultivar a fraternidade neste novo contexto?

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