Por Vilmar Wruch Leitzke
As mudanças ocorridas desde 1980 nos permitem visualizar aumentos significativos da produção agrícola, parte pela ampliação das áreas cultivadas, mas principalmente pelo uso de tecnologias ditas “modernas”, fruto da “Revolução Verde da Agricultura”. Porém, esses aumentos de produção não têm contribuído para ampliar a renda do agricultor, induzindo- o a usar cada vez mais esses insumos e “tecnologias”.
Se até 1980, os lucros auferidos com a produção agrícola ficavam com o agricultor, a partir daí se tem a transferência dos lucros da produção para quem detém a tecnologia (equipamentos, tratores, implementos, sementes hibridas, corretivos do solo, fertilizantes e agroquímicos para uso no controle de invasoras, doenças). Os resultados dessa mudança de matriz tecnológica foram visíveis. Mesmo com o aumento da produção, muitas famílias se viram à margem desse processo e foram obrigadas a buscar outras alternativas de reprodução social (fenômeno do êxodo rural). Para as famílias que permaneceram no meio rural, as dificuldades não foram superadas. Os problemas de transferência de renda do agricultor para o detentor/fornecedor de insumos e, mais recentemente, para o distribuidor/varejista, se intensificam, associado ao agravamento dos problemas ambientais. A adoção desse pacote tecnológico não tem contribuído para atrair jovens para permanecerem no meio rural e tem aumentado as dificuldades de continuidade de muitas propriedades rurais.
Essa situação remete o meio rural a uma crise que envolve aspectos econômicos, sociais, éticos, culturais, políticos e religiosos e que tem atingido mais fortemente a juventude rural e por consequência a sucessão da propriedade rural familiar. Apontar somente um fator como o motivador para a saída do jovem do meio rural, é no mínimo simplificar um tema complexo. Embora algumas análises preliminares apontam para a ausência de renda do jovem no meio rural, outros aspectos devem ser inseridos nesse debate.
Um deles está vinculado ao rótulo de “burro e atrasado” e de sujeito “sofrido, coitado e desprezível” atribuído pelos centros urbanos para aqueles que vivem na terra. A partir desses rótulos, a própria família começa a negar sua condição de agricultor familiar e estimula seus descendentes a buscarem alternativas externas a propriedade familiar e a agricultura, sendo frequentes os relatos por parte daqueles que permaneceram no meio rural que ficaram por não terem tido outra opção ou escolha.
Associado a essa negação do “ser agricultor familiar”, faz-se necessária a reflexão de quais são os espaços de representatividade e principalmente de pertencimento desse jovem enquanto ator social no contexto da agricultura familiar. Como tem sido a inserção desse jovem, filho de agricultor, nas cooperativas e nos sindicatos, nos espaços onde se estabelecem as relações sociais locais?
No modelo de gestão da propriedade tradicional, todos trabalham, mas somente o pai decide sobre a divisão do resultado do trabalho (rendas) e dos rumos da propriedade. Tudo isso, associado às incertezas relacionadas ao processo de transmissão da terra, não devem ser descartados como importantes estimulantes para a antecipação da saída do jovem do meio rural.
Nessa perspectiva, o centro do debate sobre sucessão rural familiar deve passar pela autonomia que o jovem tem e pelas oportunidades que lhe são oferecidas para que possa fazer do meio rural uma opção em ficar e produzir, e não de permanecer por falta de opção.
Nesse contexto, torna-se necessária a construção de políticas públicas com o objetivo de preparar o jovem com educação direcionada para as atividades típicas da agricultura familiar, contribuindo para o enfrentamento das reais causas do abandono do meio rural, tais como falta de acesso à terra, ao crédito, a uma educação emancipadora e libertadora, de forma a valorizar o meio rural, associado ao acesso à informação e ao entretenimento.
Algumas experiências com a produção de alimentos agroecológicos, agroindústrias familiares, associativismo e cooperativismo, modelo de educação por alternância direcionado para preparar jovens agricultores estão em curso no Rio Grande do Sul. Embora de forma incipiente, têm um papel importante. Da mesma forma alguma das atuais políticas públicas têm contribuído nesse sentido, porém não têm sido suficientes para atender às demandas desse jovem que percebe o rural de forma distinta do que os seus antecessores.
Essas políticas deverão ser adequadas visando conciliar os anseios do jovem, mas também para fazer o contraponto ao atual modelo de produção, produto da “modernização da agricultura”. Tais políticas públicas deverão levar em consideração os componentes sociais, econômicos, éticos, culturais, políticos e religiosos, com vistas a estimular a permanência desse jovem no meio rural.
Só assim será possível a permanência e a boa convivência das pessoas no meio rural, além da produção de alimentos saudáveis, com menor carga de agroquímicos e um maior compromisso com a preservação ambiental, diferentemente do atual modelo de produção predominante.
Questões para debate:
1) Quais são as maiores dificuldades para um jovem permanecer na vida rural?
2) Quem deve tomar as decisões numa família de agricultores: o pai? O pai e a mãe? A família toda?
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