Faz escuro, mas eu canto
Memória, rebeldia e esperança dos pobres do campo
Nesta edição abrimos uma página para nos colocar em sintonia com o IV Congresso Nacional da CPT, que vai se realizar no próximo ano, quando a CPT completa 40 anos de existência.
A CPT surgiu em 1975, fruto da indignação de pessoas ligadas à igreja, diante da violação dos direitos de povos indígenas e de comunidades de posseiros que tinham seus territórios invadidos por grandes empresas que se estabeleciam na Amazônia, com o apoio e estímulo dos governos militares, que concediam a elas fartos incentivos fiscais para ali se estabelecerem. E se estabeleciam com a exploração do trabalho de milhares de trabalhadores de outras regiões, que foram submetidos a condições semelhantes à de escravos.
Hoje a situação dos homens e mulheres do campo não é melhor do que naquele tempo. Vive-se um período em que poucas luzes se descortinam no horizonte. Mas, a determinação e a garra permanecem. Por isso foi escolhido como tema/lema do IV Congresso da CPT: FAZ ESCURO, MAS EU CANTO, Memória, Rebeldia e Esperança dos pobres do campo.
Os Congressos da CPT
A decisão de realizar Congressos foi tomada na assembleia geral da CPT em 1999, no bojo de um processo de avaliação da Pastoral. Nesta oportunidade estabeleceu-se que os Congressos deveriam definir os grandes eixos da ação da CPT e que a maior parte dos participantes deveria ser de trabalhadores. Os congressos se tornaram o espaço privilegiado para a CPT ouvir os trabalhadores, suas angústias, a pressão que sofrem e também suas conquistas. Ouvir deles também o que pensam da própria CPT, o que dela esperam. Já se realizaram três Congressos. O primeiro em Bom Jesus da Lapa, Bahia, em 2001, o segundo, em 2005, na Cidade de Goiás e o terceiro, em Montes Claros, Minas Gerais, em 2010.
Rondônia acolherá o IV Congresso
O IV Congresso se realizará na Amazônia, em Porto Velho, RO, em 2015, quando se comemoram 40 anos da CPT. Foram os conflitos na Amazônia, que se avolumavam a cada dia, que levaram a Igreja a constituir uma comissão para interligar, assessorar e dinamizar os trabalhos que diversas dioceses faziam para apoiar os trabalhadores e trabalhadoras do campo que sofriam violências e tinham seus direitos desrespeitados. Em julho de 2015 armaremos nossas tendas em Porto Velho, Rondônia, na Amazônia.
Rondônia é fruto da colonização promovida pela ditadura militar e pela política neoliberal de mercado. Está situada numa das vias de penetração e encruzilhada da Amazônia. Para Rondônia migraram milhares de famílias brasileiras em busca de novas oportunidades de vida: terra, emprego e negócios.
Porém, a ocupação desordenada e caótica teve como resultado a devastação ambiental e o acuamento das comunidades tradicionais. Quilombolas, ribeirinhos e indígenas ainda continuam com boa parte dos seus territórios tradicionais violentados, sem serem reconhecidos e demarcados. Rondônia tem uma das mais altas taxas de deflorestação da Amazônia, estimada entre 30 e 35%. Boa parte destas áreas, desmatadas em poucas décadas, hoje são pastos já degradados, tendo como consequência a destruição de igarapés e nascentes e o assoreamento dos rios.
Esta ocupação foi acompanhada também de uma injusta distribuição de terras agrícolas. O latifúndio ocupa um terço das áreas de produção agrícola, com ocorrências de trabalho escravo, retirada ilegal de madeira e grilagem de terras. O que tem gerado um permanente conflito fundiário. Por isso violência e repressão continuam de forma acentuada até hoje. Para os pequenos agricultores as dificuldades de acesso à educação, saúde, transporte e de sobrevivência no campo tem provocado grande êxodo rural, especialmente da juventude, em direção às cidades, ao exterior ou a novas fronteiras agrícolas do estado de Amazonas e Mato Grosso. Desta forma continua o ciclo de desmatamento e devastação ambiental.
Os ciclos de exploração natural da madeira, da pecuária e dos garimpos de ouro, cassiterita e diamantes, estão sendo rapidamente sucedidos pelos novos projetos de “desenvolvimento”. A construção das usinas hidrelétricas do Madeira, obras emblemáticas do PAC governamental já em fase de conclusão, não deixa de mostrar novos impactos, mazelas e opressão para os operários, ribeirinhos, assentados e populações urbanas. Enquanto isso, avançam rapidamente as monoculturas de arroz, soja, milho e eucalipto, impulsionadas pelas hidrovias e vias de escoamento da produção de grãos destinados à exportação.
Neste contexto:
•ganham visibilidade as comunidades tradicionais, como os quilombolas e povos indígenas;
•continua a luta por reforma agrária, promovida por diversas organizações camponesas, com teimosos acampamentos e ocupações de terra, enfrentando a inoperância do INCRA e do Terra Legal, a violência, a criminalização de lideranças e a repressão judicial e policial;
•as diversas organizações do campo e da cidade tentam um processo de unificação das lutas;
•forma parte das iniciativas de resistência camponesa e de esperança, a promoção tenaz e decidida da agroecologia, com sistemas de produção agrícola sem uso de veneno e mais adequadas ao bioma amazônico;
•resiste um modelo eclesial ecumênico comprometido com a realidade do povo e dos pobres da terra, formado pelas CEB’s e comunidades evangélicas, que se dedicam a promover a vida humana e a vida natural em todo o esplendor da Criação, e o crescimento do Reino de Deus nesta região privilegiada da Amazônia.
Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT e Coordenação do IV Congresso Nacional da CPT.
Fonte: Jornal Pastoral da Terra, edição 215 Ano 39.
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