Foto: Milton Gerhardt, Diocese de Santo Ângelo, CPT-RS |
por Pilato Pereira*
Na terça-feira de carnaval, 21 de fevereiro, uma multidão de mais de 15 mil pessoas em marcha numa estrada de chão, cuja paisagem trazia a marca de uma terrível estiagem, realizou a 35ª Romaria da Terra no Rio Grande do Sul, que foi acolhida pelo povo do município de Santo Cristo. O tema da Romaria “Agricultura Familiar Camponesa: Vida com Saúde” foi muito bem trabalhado nas ações litúrgicas celebrativas, nos discursos e pronunciamentos políticos e nos momentos culturais. Para marcar a temática, entre outras canções e hinos, o cântico mais entoado foi o do Padre Zezinho, cuja letra assim inicia: “Diante de ti ponho a vida e ponho a morte / Mas tens que saber escolher:” A música, com inspiração bíblica, adverte: “Se escolhes matar, também morrerás; / Se deixas viver, também viverás. / Então viva e deixa viver”. Este recado não foi dado apenas pela música do Padre Zezinho, mas pelo cenário preparado pela organização da Romaria, que procurou contrastar a Agricultura Familiar Camponesa com o modelo do Agronegócio. Também foi enfocada a questão do uso das águas e as fontes energéticas, considerando o problema das barragens que aflige milhares de famílias camponesas no Estado.
É notória a diferença entre a Agricultura Familiar Camponesa e o Agronegócio, que é a agricultura expansiva, preocupada em atender a demanda do mercado internacional. Quem nasceu e foi criado no campo, sabe que o pequeno agricultor, o camponês, trabalha na terra onde vive e a sua terra é sua casa, é sua vida, é seu mundo e ele procura cuidar da melhor forma possível para deixar algo salutar para seus filhos. Na agricultura camponesa, a família trabalhadora cuida dos banhados, arroios, córregos, fontes e nascentes, árvores nativas e toda a biodiversidade que ali existe. Mas num latifúndio, onde acontece o agronegócio é bem o contrário. Lá tudo é devastado para plantar grandes extensões de uma única espécie. E o dono da terra ou da plantação manda mecanizar o máximo possível, desrespeitando a paisagem e a configuração natural da terra, além de se utilizar de todo o tipo de venenos, sem nenhum compromisso com a vida, apenas interessado no lucro da produção.
O camponês, normalmente planta de tudo. Planta o que a família precisa para sua subsistência e algo a mais para comercializar e obter alguma renda. E assim, a agricultura familiar camponesa alimenta nosso país. Mas, o latifúndio, numa grande porção de terra, às vezes milhares de hectares, cultiva uma única planta, seja milho, soja, café, eucalipto. O agronegócio, de olho no mercado internacional, cultiva o lucro envenenando a terra e as águas. Na pequena propriedade, as relações de trabalho e a distribuição da renda acontecem de forma mais humana, justa e democrática. Mas no latifúndio existe concentração de terra, de poder e renda.
Como filho de um pequeno agricultor, tenho a responsabilidade de afirmar com muita convicção que a agricultura familiar camponesa planta vida na terra, porque o trabalho acontece com espiritualidade. A família que cultiva uma pequena propriedade ou um pequeno lote de assentamento, geralmente, tem amor pelo seu pedaço de chão e sabe que ali está seu grande tesouro e por isso planta na terra o próprio coração. Percebi desde criança com meus pais que para cultivar uma pequena propriedade é preciso muita coragem, persistência, amor e fé. Mas, o grande produtor, no agronegócio, só precisa do dinheiro, porque a terra para ele é um instrumento de especulação e lucro. O agronegócio é predador, exclui os pobres da terra e destrói a natureza.
A música entoada na 35ª Romaria da Terra alerta que envenenar o solo, o ar e as águas é também ser envenenado, porque “se escolhes matar, também morrerás”. Porém, na Agricultura Familiar Camponesa, o trabalhador e a trabalhadora cultivam a terra e por ela são cultivados, porque aprendem com a natureza a lição de que “se deixas viver, também viverás”.
A 35ª Romaria da Terra, em Santo Cristo, na Diocese de Santo Ângelo, foi, com certeza, um marco de conscientização sobre o grande valor da Agricultura Familiar Camponesa. A Romaria cumpriu sua dimensão profética ao abordar este tema. Mas, também é preciso reconhecer o descuido com relação ao assunto do Código Florestal. A Romaria teve a presença de políticos, tanto os que foram contra as retrogradas mudanças no Código Florestal Brasileiro, como quem votou junto com a bancada ruralista no Congresso Nacional, mas para estes não houve nenhuma contestação.
Para ser ainda mais profética, a Romaria deveria ter sido um ato em defesa da legislação que preserva a vida, porque o Código Florestal, embora danificado pelo Congresso, ainda está nas mãos da Presidenta Dilma. Mas, infelizmente, a 35ª Romaria da Terra, com mais de 15 mil romeiros e romeiras, esqueceu de levantar a voz contra o absurdo da mudança do Código Florestal, que nada mais é do que uma adaptação nas leis para favorecer apenas e tão somente o Agronegócio, para saciar sua sede de lucro, sugando ainda mais a natureza. A mesma natureza que é tão bem cuidada pela Agricultura Familiar Camponesa, que gera vida com saúde.
*Pilato Pereira é mestrando em Teologia na PUCRS, membro da Coordenação Colegiada da CPT-RS e da Pastoral da Ecologia.
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