A Comissão Pastoral da Terra do Rio Grande do Sul - CPT-RS se solidariza com a comunidade Kaingang que vive um momento de dor e perda com a morte do líder Francisco dos Santos.
Em sua homenagem, reforçamos nosso compromisso com as causas indígenas no Rio Grande do Sul e no Brasil. Nos somamos ao seu povo para manter vivos os valores expressos na voz de Francisco, que sempre defendeu a vida em harmonia entre o ser humano e a natureza.
Francisco, continuamos a tua e nossa luta em defesa da terra, para que ela não seja envenenada nem acumulada em poucas mãos; Continuamos a tua e nossa luta em defesa das matas e das águas e pelo direito dos povos.
CPT-RS
-------------------------
Na luta pela terra e por um mundo mais justo, perdemos um
grande lutador!
Francisco dos Santos, liderança
Kaingang do Rio Grande do Sul, morreu na manhã desta segunda-feira, 17 de
agosto de 2015. Ele sofria de câncer no pulmão.
Seu Chico, como era conhecido, tinha
53 anos e, desde o final da década de 1980, lutava na região metropolitana de
Porto Alegre, juntamente com centenas de famílias indígenas, pelo direito a um
pedaço de terra para viverem e pela garantia de espaços públicos onde pudessem
comercializar os seus produtos, especialmente os artesanatos e as cestarias de
taquara e cipó.
Na luta pelo direito de viverem nos
espaços urbanos os Kaingang sempre foram duramente perseguidos e questionados
sobre o porquê os "índios queriam viver na cidade, se o lugar de
índio era na mata"? Seu Chico em sua sabedoria sempre
respondia que a terra foi dada a todos os seres e que os colonizadores chegaram
e foram se apossando de tudo, tirando um direito que era comum. E, ao se
apossarem da terra, construíram sobre ela as cidades, destruíram as matas, os
seres que viviam nas matas e contaminaram as águas. Mas antes destes
colonizadores os Kaingang já viviam na terra e nunca se distanciaram dos
lugares onde os umbigos dos antepassados foram enterrados. As
autoridades não aceitam este argumento e, em geral, a sociedade dominante
também se nega a entender e acolher os indígenas como parte da terra, da
natureza e como partícipes do cotidiano nos espaços urbanos.
Nos debates que travava contra aqueles
que faziam oposição a presença indígena em Porto Alegre, São Leopoldo, Canela,
Farroupilha, Lajeado, Estrela e tantos outros lugares, Seu Chico sempre dizia
se sentir mais índio na cidade do que nas reservas criadas para
confiná-los, pois nos espaços urbanos ele lutava para resgatar e retomar o que
lhes tiraram.
Seu Chico preocupou-se muito com a
cultura Kaingang, com seus costumes, crenças, com a manutenção da língua, ou do idioma como ele mesmo falava, aspectos
fundamentais para fortalecer o sentido de povo. Em função desse pensamento de
Seu Chico e de outras lideranças, nas áreas que foram sendo criadas ou estão em
processo de demarcação, a cultura Kaingang é valorizada, seu modo de ser é
vivenciado no cotidiano e as crianças crescem aprendendo, em primeiro lugar, a
língua Kaingang.
Seu Chico, nos últimos anos,
envolveu-se fortemente na luta pela demarcação dos territórios indígenas,
participando em reuniões, mobilizações, protestos contra a política de
paralisação das demarcações de terras. Esteve por diversas vezes em Brasília
juntamente com outras lideranças do Brasil dialogando com autoridades federais
para que os direitos consolidados na Constituição Federal fossem assegurados e
não destruídos por parlamentares ou governantes que defendem exclusivamente
interesses econômicos.
Perdemos nesta vida um grande
lutador, mas recebemos dele ensinamentos que se eternizam junto aos militantes
das causas indígenas, quilombolas, sociais e ambientais. Causas que ele
sempre articulava, pois dizia que as lutas
não podiam ser isoladas, mas tratadas em conjunto. No mês de
maio participou de uma reunião em Porto Alegre, no Quilombo dos Silva, onde
expressou o sentimento de que indígenas e quilombolas são, entre os que sofrem,
aqueles que mais foram agredidos, perseguidos, escravizados e os que, na
atualidade, têm seus direitos ameaçados por governos,
políticos e juízes que deveriam respeitar e cumprir a lei. Por isso,
afirmava ele, “não
podemos fraquejar, temos que manter a união e enfrentar os nossos inimigos em
comum”.
Francisco dos Santos foi o nome dado
a ele em português, mas em Kaingang os Kujã o nomearam como sendo Rôkag, que na
tradução significa "Homem de boas ideias". Ao longo de sua vida Rôkag
nos deixou ensinamentos e ideias que precisam ser valorizados: cuidar da terra,
cuidar das matas e de todos os seres nelas existentes. Para Rôkag todos os
seres são relevantes para a vida. Dizia ele que as
plantas existem porque tem a função de alimentar, proteger, servir de abrigo,
remédios. A água é como se fosse o nosso sangue, por isso deve ser protegida,
limpa, pura. E a terra é nossa mãe e sobre ela não precisamos nem falar muitas
coisas, pois quem é que quer agredir a mãe, matar a mãe, envenenar a mãe?
Somente aqueles que não a merecem.
Porto Alegre,
17 de agosto de 2015.
Conselho
Indigenista Missionário - Regional Sul.
Nenhum comentário:
Postar um comentário