sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Cuidar da Mãe Terra e Amar Todos os Seres

Por Leonardo Boff*

O amor é a força maior existente no universo, nos seres vivos e nos humanos. Porque o amor é uma força de atração, de união e de transformação. Já o antigo mito grego o formulava com elegância: “Eros, o deus do amor, ergueu-se para criar a Terra. Antes, tudo era silêncio, desprovido e imóvel. Agora tudo é vida, alegria, movimento”. O amor é a expressão mais alta da vida que sempre irradia e pede cuidado, porque sem cuidado ela definha, adoece e morre.
Humberto Maturana, chileno, um dos expoentas maiores da biologia contemporânea, mostrou em seus estudos sobre a autopoiesis, vale dizer, sobre a auto-orgnização da matéria da qual resulta a vida, como o amor surge de dentro do processo evolucionário. Na natureza, afirma Maturana, se verificam dois tipos de conexões (ele chama de acoplamentos) dos seres com o meio e entre si: uma necessária, ligado à própria subsistência e outro espontânea, vinculado a relações gratuitas, por afinidades eletivas e por puro prazer, no fluir do próprio viver.
Quando esta última ocorre, mesmo em estágios primitivos da evolução há bilhões de anos, ai surge a primeira manifestação do amor como fenômeno cósmico e biológico. Na medida em que o universo se inflaciona e se complexifica, essa conexão espontânea e amorosa tende a incrementar-se. No nivel humano, ganha força e se torna o móvel principal das ações humanas.
O amor se orienta sempre pelo outro. Significa uma aventura abraâmica, a de deixar a sua própria realidade e ir ao encontro do diferente e estabelecer uma relação de aliança, de amizade e de amor com ele.
O limite mais desastroso do paradigma ocidental tem a ver com o outro, pois o vê antes como obstáculo do que oportunidade de encontro. A estratégia foi e é esta: ou incorporá-lo, ou submete-lo ou eliminá-lo como fez com as culturas da África e da América Latina. Isso se aplica também para com a natureza. A relação não é de mútua pertença e de inclusão mas de exploração e de submetimento. Negando o outro, perde-se a chance da aliança, do diálogo e do mútuo aprendizado. Na cultura ocidental triunfou o paradigma da identidade com exclusão da diferença. Isso gerou arrogância e muita violência.
O outro goza de um privilégio: permite surgir o ethos que ama. Foi vivido pelo Jesus histórico e pelo paleocristianismo antes de se constituir em instituição com doutrinas e ritos. A ética cristã foi mais influenciada pelos mestres gregos do que pelo sermão da montanha e prática de Jesus. O paleocristianismo, ao contrário, dá absoluta centralidade ao amor ao outro que para Jesus, é idêntico ao amor a Deus. O amor é tão central que quem tem o amor tem tudo. Ele testemunha esta sagrada convicção de que Deus é amor(1 Jo 4,8), o amor vem de Deus (1 Jo 4,7) e o amor não morrerá jamais (1Cor 13,8). E esse amor incondicional e universal inclui também o inimigo (Lc 6,35). O ethos que ama se expressa na lei áurea, presente em todas as tradições da humanidade: “ame o próximo como a ti mesmo”; “não faça ao outro o que não queres que te façam a ti”. O Papa Francisco resgatou o Jesus histórico: para ele é mais importante o amor e a misericórdia do que a doutrina e a disciplina.
Para o cristianismo, Deus mesmo se fez outro pela encarnação. Sem passar pelo outro, sem o outro mais outro que é o faminto, o pobre, o peregrino e o nu, não se pode encontrar Deus nem alcançar a plenitude da vida (Mt 25,31-46). Essa saída de si para o outro a fim de amá-lo nele mesmo, amá-lo sem retorno, de forma incondicional, funda o ethos o mais inclusivo possível, o mais humanizador que se possa imaginar. Esse amor é um movimento só, vai ao outro, a todas as coisas e a Deus.
No Ocidente foi Francisco de Assis quem melhor expressou essa ética amorosa e cordial. Ele unia as duas ecologias, a interior, integrando suas emoções e os desejos, e a exterior, se irmanando com todos os seres. Comenta Eloi Leclerc, um dos melhores pensadores franciscanos de nosso tempo, sobrevivente dos campos de extermínio nazista de Buchenwald:
”Em vez de enrijercer-se e fechar-se num soberbo isolamento, Francisco deixou-se despojar de tudo, fez-se pequenino, colocou-se, com grande humildade, no meio das criaturas. Próximo e irmão das mais humildes dentre elas. Confraternizou-se com a própria Terra, como seu húmus original, com suas raízes obscuras. E eis que a “nossa irmã e Mãe-Terra” abriu diante de seus olhos maravilhados um caminho de uma irmandade sem limites, sem fronteiras. Uma irmandade que abrangia toda a criação. O humilde Francisco tornou-se o irmão do Sol, das estrelas, do vento, das nuvens, da água, do fogo e de tudo o que vive e até da morte”.
Esse é o resultado de um amor essencial que abraça todos os seres, vivos e inertes, com carinho, enternecimento e amor. O ethos que ama funda um novo sentido de viver. Amar o outro, seja o ser humano, seja cada representante da comunidade de vida, é dar-lhe razão de existir. Não há razão para existir. O existir é pura gratuidade. Amar o outro é querer que ele exista porque o amor torna o outro importante.”Amar uma pessoa é dizer-lhe: tu não poderás morrer jamais” (G.Marcel); “tu deves existir, tu não podes ir embora”.
Quando alguém ou alguma coisa se fazem importantes para o outro, nasce um valor que mobiliza todas as energias vitais. É por isso que quando alguém ama, rejuvenesce e tem a sensação de começar a vida de novo. O amor é fonte de suprema alegria.
Somente esse ethos que ama está à altura dos desafios face à Mãe Terra devastada e ameaçada em seu futuro. Esse amor nos poderá salvar a todos, porque abraça-os e faz dos distantes, próximos e dos próximos, irmãos e irmãs.

*Autor de O cuidado Necessário. Vozes, 2013.
Imagem extraída de: www.franciscanos.org.br/?p=83918

Sepé Tiaraju: fazendo memória pelos caminhos da luta e da resistência

Desde 2004, no mês de fevereiro, os Guarani marcam presença em São Gabriel para homenagear Sepé Tiaraju, símbolo da luta por uma Terra Sem Males. Recordam um guerreiro Guarani que lutou até as ultimas consequências em defesa de  seu povo e pelo direito de viver em paz em seu território. Sepé enfrentou no seu tempo os dois grandes impérios da época Espanha e Portugal os quais tinham interesses econômicos e políticos sobre os seus territórios. Sepé não lutou sozinho junto a ele encontravam-se milhares de guarani e indígenas que não aceitaram deixar sua terra, seu território em troca de interesses políticos, econômicos, religiosos das grandes potências da época.

Sepé foi morto no dia 07 de Fevereiro de 1756 pelos exércitos de Espanha e Portugal e no dia 10 do mesmo ano em Caiboaté foram massacrados mais de 1500 guarani que lutavam em defesa de sua terra.

Os Guarani retomam não só a memória da  luta de seus antepassados mas também as sua lutas de hoje. Mobilizados, através de encontros entre as aldeias e de reuniões  com os órgãos públicos o guarani tem relatado a sua realidade em busca de soluções, mas  pouco se tem avançado. Dentre os 07 GTs reivindicados pelos caciques e CAPG apenas 02 estão em curso: sendo um nas terras indígenas de  Itapuã, Ponta da Formiga e Morro do Coco e outro em Passo Grande, Petim e Arroio do Conde. Graças a essa mobilização e articulação das comunidades a história dos Guarani continua viva, resistente e mística.

Nos escritos da época das missões  Jesuíticas  muito se disse sobre como os Guarani viviam nas chamadas Reduções Missioneiras. Hoje os escritos autênticos sobre a vida do povo Guarani são extremamente diferentes daquela época. Hoje os relatos dão conta de que os Guarani do Rio Grande do Sul habitam as margens das estradas ou em espaços reduzidos vivendo em extrema dificuldades, sendo a principal delas a falta da terra.

Sem terra, dizem as lideranças indígenas, não há como se auto sustentarem, não há saúde para as crianças, não há como plantar, não há mato para tirar os remédios para as curas de enfermidades, não há espaço para o Sagrado. Em cada encontro do Sepé, em São Gabriel, os Guarani fazem seus rituais a Nhanderu pedindo força, luz, caminho e rumo para seguir na luta do dia a dia.

Sempre em cada Encontro do Sepé eles elaboram documentos as autoridades dos órgãos federais (Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio-Funai, Secretaria Especial de Saúde Indígena-Sesai e para o Ministério Público Federal-MPF) e portanto, não há desculpas desses órgãos em dizer que desconhecem a realidade Guarani no sul do país.

E o mais trágico é que tanto a Funai quanto a Sesai participam, através de seus representantes da região, mas não levam respostas verdadeiras para os Guarani, apenas falsas promessas. Os Guarani reivindicam e almejam que as suas terras sejam demarcadas e querem viver em sua cultura, plantando suas roças com as sua sementes tradicionais, querem sossego e saúde para as crianças e para os mais velhos. Saúde para o Guarani, além de sua terra demarcada, é vida digna sem mentiras, enrolações, enganos e outros meios usados contra os indígenas para que seus direitos não sejam garantidos. Cabe ao governo federal, da presidenta Dilma, Ministro da Justiça, Funai, Sesai executar uma política seria em relação aos povos indígenas e cumprir a Constituição nos seus artigos 231 e 232.

Durante o encontro do Sepé, através da Palavra, os Xeramõi e Jariy- lideranças mais velhas- alertaram que a situação está cada vez mais difícil, por que o Juruá - os brancos - não os ouve, não os veem, não os reconhecem, não demarcam as suas terras, não atendem as suas reivindicações, não respeitam os seus direitos originários, não têm interesse em resolver as grandes questões e problemas em que vivem os Guarani. Inspirados pelas palavras dos mais velhos  as lideranças dizem: Os  Juruá, as autoridades governamentais  e parlamentares, que insistem em elaborar projetos de lei contra as demarcações de terra, falam falsas palavras, não dá mais para acreditar neles.

Na Sanga da Bica onde foi morto Sepé Tiaraju os Guarani entoam, a cada ano, seus  cantos a Nhanderu agradecendo, ao Deus Verdadeiro, por caminhar sempre com eles. As Kuña Karai e os Karai transmitem a força de Nhanderu  para as lutas do cotidiano, ressaltando a importância de estarem unidos, fortalecidos e articulados para enfrentarem os Juruá e suas falsas promessas. Bradam em voz alta “viva o  Sepé, a terra é dom de Tupã, dada aos homens para que seja cuidada, protegida, amada e respeitada”. Essas manifestações de utopia e esperança alimentam o sonho da Terra Sem Males e fortalece, através da memória dos guerreiros  e guerreiras que tombaram em defesa da vida e do território Guarani, o ideal de que a luta não será em vão, jamais.

CIMI Sul - Equipe Porto Alegre