quarta-feira, 29 de abril de 2015

É chegada a hora, um novo jeito de pescar brota da vida do povo

 Por Andrei Thomaz Oss-Emer*

“Jesus andava à beira do mar da Galiléia, quando viu dois irmãos: Simão, também chamado Pedro, e seu irmão André. Estavam jogando a rede no mar, pois eram pescadores.  Jesus disse para eles: ‘Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens’.  Eles deixaram imediatamente as redes, e seguiram a Jesus. Indo mais adiante, Jesus viu outros dois irmãos: Tiago e João, filhos de Zebedeu. Estavam na barca com seu pai Zebedeu, consertando as redes. E Jesus os chamou. Eles deixaram imediatamente a barca e o pai, e seguiram a Jesus.” (Mt 4, 18-21).

Carinhosamente chamada de “Mar de Dentro”, a Laguna dos Patos é uma porção de águas do sul do estado do Rio Grande do Sul. “Mar de Dentro” é uma maneira carinhosa que se encontrou para nomear esse mar, às vezes doce das águas dos rios que nele desaguam, às vezes salgado, da água do oceano que entra quando os níveis dos rios são baixos, e trazem consigo a fartura de peixes (como a tainha), do camarão, do siri e de tantas outras espécies. Semelhantemente à galileia ali habitam povos que sobrevivem da pesca extrativista, são gente trabalhadora, gente que não tem medo de enfrentar os perigos do mar, são rostos que às vezes me recordam André e Pedro, Tiago e João. São rostos sofridos, marcados pela dor da vida, muitos já cansados das ilusões, que apesar dos mais de dois mil anos que os separam, são tão semelhantes às dores do povo do Mar da Galiléia. Ali, na beira do Mar de Dentro, existe um povoado, que já não é tão pequeno quanto o povoado de Cafarnaum, ali já habitam por volta de 5 mil habitantes, a maioria pescadores, outros tantos comerciantes. Um povo trabalhador e sofredor, que há três anos vê suas redes voltarem vazias da pesca, pois a lagoa já não “salga” no tempo certo, e não há pesca. As espécies que povoam a lagoa são as provenientes do oceano, nos tempos em que a água salgada entra. Na água doce, a maioria das espécies já estão ameaçadas de extinção, haja visto que todo o esgoto da capital do Estado, Porto Alegre, bem como de sua região metropolitana, e da maior parte do estado desaguam na Lagoa matando milhares de peixes e animais aquáticos. Para muitos deles, hoje já não se vê peixe morto, porque a maioria já morreu pela poluição. As fazendas produtoras de arroz, ao secarem seus campos, fazem com que a água, com altos níveis de agrotóxico continue matando milhares de animais que outrora eram parte do ecossistema da Lagoa.

Ali, na colônia Z3, pertencente ao município de Pelotas, no Estado do Rio Grande do Sul, existe um povo, parcela do povo de Deus. Que acredita que um novo projeto popular pode dar certo, esse povo, apesar de amar o mar e suas dificuldades, entende que é preciso pescar diferente, é preciso estabelecer nova forma de viver em comunidade, a partir da dignidade humana, promovendo vida em abundância. Esse povo, que vive oprimido, na beira da lagoa, entre a água e um latifúndio de mais de 8.300 hectares, herança das sesmarias, parte de uma estrutura fundiária arcaica de manutenção do poder capitalista. Motivados pela esperança em dias melhores, esse povo ocupou tal latifúndio, a fazenda Santana, para que aquela fazenda fosse um assentamento da reforma agrária popular. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra colaborou na primeira ocupação, desde então a luta tem sido constante, o acampamento já precisou mudar de lugar quatro vezes em menos de um ano, e o processo de desapropriação das terras parece cada vez mais demorado.

Cada vez que um pescador lanceia a rede e esta volta vazia, pois não há mais peixe na lagoa, percebe-se a dor daqueles que não têm sequer o básico para sobreviver. A esperança pela Terra Prometida não se apaga, apesar de que muitas das famílias que ali estão ainda não compreendem a desapropriação da fazenda como uma luta justa, em favor da dignidade humana. O poder religioso está fortemente vinculado com as proprietárias do latifúndio, e o legitima, o que faz com que as famílias Sem Terra, sintam que nem Deus está do seu lado. A criação de peixe em cativeiro, e a reprodução de espécies em tanques para o repovoamento da lagoa parece ser a melhor alternativa, mas o apoio não passa de palavras. Apesar de não haver mais pesca na lagoa, os pescadores não acreditam que a fazenda pode ser desapropriada. A negociação entre o Incra e as proprietárias não parece ser tranquila e muitas vezes o povo cansa de lutar.

Ainda assim é necessário pescar, é necessário arriscar mesmo não tendo certeza de que se trará o fruto do trabalho, é necessário avançar para as águas profundas, apesar da pesca parecer custosa. É necessário também ter a coragem de denunciar o sistema que oprime o povo e desune a classe trabalhadora. O Capitalismo, com toda a sua perversidade, continua convencendo nosso povo de que o melhor é esperar que a Tainha venha, de onde já não vem. É urgente e necessário anunciar uma nova sociedade, que só será construída quando não houver mais o latifúndio que explora a vida do povo. É urgente anunciar que um projeto de reforma agrária popular é necessário, também para o povo do mar. Esse acampamento, o primeiro de pescadores e pescadoras da história do MST, é sinal de vida, é sinal de esperança. Lutemos e apoiemos juntos essa causa, por Terra para todos e todas, por vida na Lagoa, por vida para o povo!

*Acadêmico em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas, agente da Juventude Cáritas de ação Social, e apoiador da Comissão Pastoral da Terra.


quarta-feira, 15 de abril de 2015

CARTA À COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DO RS

A Comissão Pastoral da Terra, CPT – RS, vem através desta demonstrar seu repúdio e preocupação a PL 31/2015 proposta pelo deputado Elton Weber, que tenta subtrair direitos das comunidades quilombolas limitando os territórios quilombolas de acordo com os interesses de diversos públicos tidos como produtores rurais, rescaldando o projeto já arquivado por ser considerado inconstitucional.
Quilombolas e indígenas são hoje um dos muitos rostos do campesinato gaúcho e devem ter seus direitos assegurados.
Não há inseguranças no campo quando os pequenos se juntam na luta pela garantia de direitos e pela vida digna que deve sim ser assegurada pelo Governo.
E o que vemos é cada dia mais crescerem gestos de discriminação e de desrespeito a esses povos, que deveriam ser reconhecidos e respeitados em sua dignidade.
O Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2014, lançado ontem, dá conta de que a violência ano campo no Estado do Rio Grande do Sul vem crescendo e acreditamos que PLs como a proposta acabam por incentivar esse quadro.
Quando a vida é ameaçada precisamos nos posicionar ao seu lado.
Precisamos reconhecer nos povos indígenas e quilombolas a nossa história e nossa origem. É preciso respeita- los.
Quem se diz defensor dos direitos humanos e não defende os povos indígenas e quilombolas do Brasil não é um defensor.
Prevê o Artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitirlhes os títulos respectivos”.
Ainda de acordo com a Constituição Federal vigente, Artigo 231, os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Assim, estamos convictos de que esta Comissão cumprirá mais uma vez o seu papel de guardiã da Constituição Federal, garantindo Direitos Fundamentais às minorias com o fim de que se tenha uma sociedade mais justa e igualitária e votará pela inconstitucionalidade do PL 31/2015 apresentado pelo nobre deputado.
Porto Alegre, 14 de abril de 2015.
Comissão Pastoral da Terra – CPT/ RS