sábado, 21 de março de 2015

Assembleia da CPT elege nova coordenação executiva e direção nacional

Reunidos no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia, Goiás, entre os dias 17 e 19 de março, cerca de 75 pessoas entre agentes da CPT, trabalhadores e trabalhadoras, escolheram a nova diretoria nacional e coordenação executiva nacional da CPT, para os próximos três anos.
Dom Enemésio Lazzaris, bispo de Balsas, no Maranhão foi reeleito como presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Dom André de Witte, bispo de Ruy Barbosa, na Bahia, foi eleito como vice-presidente. Os dois bispos irão compor a direção nacional da CPT. Jeane Bellini, agente histórica da CPT nos regionais Araguaia/Tocantins e Mato Grosso, atualmente contribuindo no Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da Secretaria Nacional da CPT; Ruben Siqueira, agente da CPT Bahia e um dos coordenadores, nos últimos dez anos, do Projeto São Francisco Vivo; Paulo César Moreira, agente da CPT no Mato Grosso e Thiago Valentim, agente da CPT no Ceará, ambos jovens e atuantes na luta da CPT, foram os eleitos e eleita para a coordenação executiva nacional da CPT. Para a suplência foram eleitas duas agentes da CPT, Isabel Cristina Diniz, da CPT Paraná e Darlene Braga, da CPT Acre.


Carta Final e Moções aprovadas pela Assembleia
A Assembleia aprovou, também, sua Carta Final (segue abaixo) e duas moções (em anexo), uma de apoio ao povo Palestino, que será levada por Dom Enemésio em um Encontro em Jerusalém, organizado pela Pax Christi Internacional, e uma endereçada ao Supremo Tribunal Federal (STF), em vista do julgamento pela Corte da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239, referente ao Decreto 4887/2003. O decreto foi promulgado pelo ex-presidente Lula e tem por objetivo regulamentar a identificação e titulação dos territórios tradicionalmente ocupados por remanescentes de quilombos. A ADI foi protocolado pelo DEM e questiona a constitucionalidade desse Decreto. A CPT espera que o STF decida em favor dos povos quilombolas e de seus direitos sobre os territórios que ocupam.


 CARTA FINAL DA XXVII ASSEMBLEIA NACIONAL DA CPT
Faz escuro, mas eu canto: memória, rebeldia e esperança

Reunidos/as em assembleia confirmamos nossa caminhada de Pastoral da Terra. Animados/as pela organização do IV Congresso da CPT em julho de 2015, reconhecemos a noite dos tempos difíceis que vivemos e celebramos a madrugada camponesa no compromisso radical de 40 anos com as lutas dos povos da terra.

“Nenhuma família sem casa! Nenhum camponês sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos!”(Papa Francisco).

Faz escuro, companheirada!
a bancada ruralista, o agro e hidronegócio, as mineradoras, madeireiras, os grandes projetos do capital, o trabalho escravo, o judiciário criminalizador, as empresas de veneno e transgênico, o Legislativo que constantemente ameaçam  reduzir direitos  já conquistados, os governos e suas polícias, as mídias golpistas e os setores conservadores do país fazem a noite demorada, obscurecem a democracia na negação de direitos dos povos da terra e da cidade. Não querem permitir que a luz apareça!

Faz escuro, companheirada!
os direitos já fragilizados dos povos indígenas, quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, seringueiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros e camponeses são esmagados pelos interesses de um modelo de desenvolvimento que devora terras, territórios, tradições e modos de vida distorcendo a lei a seu dispor, cooptando e corrompendo processos e lideranças, usando a força e até assassinatos. Sofrem a juventude, as mulheres e crianças das comunidades. É uma noite escura e de medo: fica difícil de andar na escuridão. Querem os povos parados no escuro do medo. 

Faz escuro, companheirada!
conquistas importantes acenderam luzes nos últimos anos fruto da luta no voto e nas lutas nas bases. Essas luzes prometiam a claridade de acesso aos direitos de terra, pão, trabalho e casa, saúde e dignidade. Mas o direito e o poder de “acender e apagar” continuou fora das nossas mãos. As reformas necessárias não vieram! Nem reforma agrária! Nem reforma urbana! Nem reforma política. Nem reforma do marco regulatório da mídia! Os governos negociam e negam nossas conquistas para contentar as elites e impedem que programas e políticas acendam os caminhos da igualdade e da dignidade.

Faz escuro, companheirada!
em nome de Deus setores das igrejas cristãs apóiam políticos, governos e polícias que criminalizam a luta pela água, pela terra e na terra e abençoam o latifúndio e a privatização da natureza... querem apagar a luz do evangelho subversivo de Jesus vivo na vida dos pobres, homens e mulheres lutadoras do campo e da cidade. Querem fazer virar mercadoria o pão e a água da vida. Querem apagar as luzes das religiões de outras matrizes, altares de terreiros e rituais de torés. Faz escuro e silêncio na longa noite da religião do patriarcalismo, individualismo e consumismo.

Faz escuro companheirada!
Às vezes dentro de nós. Tantos desafios que não fomos capazes de enfrentar. Tantas novas relações entre nós que ainda não aprendemos a cuidar, conviver.

...faz escuro MAS eu canto! cantamos porque a manhã vai chegar!
estendemos  a mão mesmo no escuro e  vamos ao encontro de quem está do nosso lado. Aprendemos a ver no escuro! Somos nós companheirada na rebeldia necessária de forçar o dia. Nos reconhecemos como comunidades de iguais: novas formas de ser igreja no meio do povo, na luz de mártires da caminhada: Cristo vivo ressuscitado na humana solidariedade e no amor pelo mundo e seus viventes.Haja luz!(Gênesis 1, 3)

cantamos a luta e a esperança  no trabalho de base, na educação popular, na espiritualidade, nas diversas experiências da agricultura agroecológica, na formação permanente, na celebração dos saberes de ervas medicinais e valorização das sementes nativas e crioulas; com estas práticas adiantamos o dia,  iluminamos nosso cotidiano... ninguém acende uma luz pra ficar escondida!(Lucas 8, 16)

somos parte das ocupações de terra, denunciamos empresas e políticos, documentamos os conflitos e fazemos memória ativa das violências. Junto de nós nessa madrugada de rebeldia nos encontramos com os povos indígenas e quilombolas, assentados e acampados, pescadores, ribeirinhos, vazanteiros, extrativistas, fundo e fechos de pasto, posseiros, nas lutas pelos territórios e contra o avanço do capitalismo no campo. A luz brilha nas trevas!(João 1, 5)

confirmamos na tradição de profetas que vieram antes de nós na luta radical contra o capitalismo no campo nas formas do trabalho escravo, latifúndio e o agronegócio e afirmamos a luta pela reforma agrária e um projeto camponês para agricultura brasileira, condições necessárias para a soberania alimentar, a defesa e vivência da natureza e a saúde de todos/as no campo e na cidade... O povo que andava em trevas viu grande luz! (Isaías 9, 2)

sonhamos com a sociedade do bem viver e do conviver rumo a Terra sem Males. Nós somos o povo da esperança, o povo da Páscoa. O outro mundo possível somos nós! A outra Igreja possível somos nós!(Pedro Casaldáliga).

convocamos todos e todas companheiros/as, parentes e amigos/as da CPT e da luta pela terra e na terra a caminhar conosco rumo ao IV Congresso fazendo memória, vivendo a rebeldia e antecipando a esperança.

Já é quase tempo de amor.Colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana,minha alma no seu pendão.
Madrugada camponesa.Faz escuro (já nem tanto),
vale a pena trabalhar.
Faz escuro mas eu cantoporque amanhã vai chegar.
(Thiago de Mello)

XXVII Assembleia Nacional da CPT

Luziânia, 19 de março de 2015.

Gostou dessa informação?
Quer contribuir para que o trabalho da CPT e a luta dos povos do campo, das águas e das florestas continue? 

domingo, 15 de março de 2015

A CPT retoma sua caminhada quarentenal

Frei Luciano Bernardi, da coordenação executiva nacional, analisa os 40 anos da CPT numa perspectiva de retomá-los e revivê-los em nossa XXVII Assembleia Nacional, que será realizada na próxima semana, entre os dias 17 e 19, na cidade de Luziânia (GO). Na ocasião será escolhida a nova coordenação da CPT pata os próximos três anos.

"Na próxima semana estaremos retomando o caminho dos 40 anos da CPT, também no mínimo das instituições que ela se deu para ser democrática, igualitária e fraternal. Mudaremos a Coordenação Nacional Executiva, daremos os retoques na construção do IV Congresso Nacional em Porto Velho (RO) e voltaremos a nos redobrar sobre a formação e a sustentabilidade pastoral e financeira desta nossa querida pastoral missionária.

Em tempos de fortes perplexidades, olhando para o nosso país e para dentro da CPT.

Com a certeza de que a bandeira da memória, esperança e rebeldia profética ainda não caiu de nossas mãos. Ou será que caiu?  Desde que iniciamos a construção de nosso IV Congresso, as atitudes que mais se escutam, entre nós, são estas:

precisamos “escutar novamente os pobres: só isso pode salvar a CPT de um “naufrágio fatal”;

precisamos “reconstruir um consenso mínimo entre nós”  

precisamos ter “uma postura unitária, que não significa uniforme, de nossas opções fundamentais.

Entre outras....

De uma fonte ecumênica, impressionou-me uma inspiração recente. Sobre “Romero. Santo para todo o povo de Deus. Discurso de Rowan Williams, arcebispo emérito de Canterbury, anglicano”, publicado na IHU: D. Romero foi “evento teológico”. Segundo ele, “um evento teológico é um evento no qual se assiste a uma espécie de reaproximação entre a Palavra de Deus e a palavra, ou talvez o grito sem palavras, do sofrimento". E continua o arcebisbo emérito de Canterbury: "Como é sabido, o moto episcopal de D. Romero era: ‘Sentire cum Ecclesia’, pensar ou sentir com a Igreja. Uma frase que às vezes foi usada de maneira superficial para confirmar qualquer coisa que a Igreja diga através de seus expoentes. Significava, ao invés, algo muito diverso para o arcebispo Romero, Sentire cum Ecclesia é pensar, da e com a perspectiva dos deserdados. Pensar a partir de onde está Jesus. Para dizê-lo com James Alison, prestigioso intelectual católico contemporâneo, é aprender a ter a inteligência da vítima. Aprender a ver e a ler o mundo do ponto de vista daqueles que não têm poder, porque esta é a perspectiva de Cristo".

Foi um dos seus amigos e colaboradores, o grande teólogo jesuíta Jon Sobrino, que definiu Romero “um evento teológico”. O que significa dizer da vida e da morte de alguém, ou mesmo de sua personalidade inteira, que esta constitui um “evento teológico”? Sobrino no-lo explica. Um evento teológico é um evento no qual se assiste a uma espécie de reaproximação entre a Palavra de Deus e a palavra, ou talvez o grito sem palavras, do sofrimento. A teologia, tão longe de ser uma especulação humana sobre Deus, chega ao seu mais alto nível de autenticidade quando se torna num certo sentido verdadeira expressão de Deus. Não a expressão de Deus que vem do alto, como muitos teólogos e bispos gostariam que fosse, mas a palavra de Deus que se exprime com e através de quem compartilha do sofrimento de Jesus e de sua glória.

Sobrino escreve: “O grito de um povo inteiro foi transformado pelo bispo Romero numa prece oferecida a Deus”. E, ao escutar e dar voz a este grito, na presença de Deus, Romero se torna um evento teológico: a Palavra de Deus e o grito de quem sofre estão ligados. (...) Romero acreditava que a parte mais importante de seu ministério consistisse precisamente em dar voz àqueles que não têm voz. Mas, naturalmente o seu dar voz ao clamor dos pobres era algo mais do que uma simples questão de palavras. Ele deu voz à experiência dos pobres correndo os seus mesmos riscos. Uma vez mais, como no caso de Jesus, tornar próprio o grito dos sofredores se torna isso mesmo risco e motivo de sofrimento. (...) 

Descendo agora no meio dos meus pensamentinhos, terra, terra... sinto que, com o único objetivo de reavivar nossa  perspectiva de compromisso cristão para a vida  de leigos(as), religiosas(os) e presbíteros, bispos..., este nosso ano de 2015 deveria se colocar nesta trilha! É a trilha de São Oscar Romero, pastor e mártir.

Sem nenhum triunfalismo, mas com a responsabilidade que nos deixaram em herança nossos pais e mães fundadores e fundadoras, os quarentões da CPT, podem afirmar que temos, ao redor de Oscar Romero que papa Francisco proclamará santo “qui serus tamen = ainda que tardio”, uma densa nuvem de “testemunhas fiéis” aos quais solicitarmos luzes de inspiração de atitudes pessoais e de metodologia evangélicas. Alguns deles ainda vivem e nos sussurram dicas preciosíssimas, molhadas de suor e sangue...

Junto com Oscar Romero e todos/as os/as mártires, podemos afirmar que este momento da CPT é o momento de reconhecer que seus mártires e a própria CPT em si, constituem-se, eles próprios, num “evento teológico” no qual as humanidades no meio das quais vivemos, existimos e nos apelam “a uma espécie de reaproximação entre a Palavra de Deus e a palavra, ou talvez o grito sem palavras, do sofrimento humano e do nosso planeta Terra.

Bastem, entre todos e todas, a memória de Dorothy Stang e de Josimo Tavares....entre tantos e tantas que povoam nossa curta mas densa história.

Nossos mártires não resolverão, provavelmente, a tão anelada sustentabilidade financeira da CPT; esta, com seus “aplicativos” mais arrojados não poderão jamais substituir a força do testemunho do amor feito eficaz porque, teologicamente, pobre com os pobres que, padecendo injustiça, não aceitam pactuar ilusões, mas tão somente uma confiança recíproca e uma solicitação de partilha que poderá ser exigida  em nome da cidadania, na sociedade, para os camponeses e camponesas e, na igreja, para seus missionários e missionárias. Sem jamais pactuar com ilusões do sistema que nega a ambos porque seus objetivos não admitem horizontes de colegialidade, autonomia e protagonismo, alternatividade... todas “flores pequenas” que vicejam e perfumam por baixo, o bosque evangélico de Carlos Mesters.

Bom reinício dos trabalhos da CPT em 2015. Que venham um Conselho Nacional e uma Coordenação Nacional que nos incentivem nas trilhas de Oscar Romero, Dorothy Stang e Josimo Tavares, Ezequiel Ramin...".

Luciano Bernardi, com seus botões...

Salvador da Bahia, 12 de março 2015.